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Mediación lectora con e-reader en hospitales: un estudio en pediatría del Hospital das Clínicas/UFMG
Daniervelin Renata Marques Pereira; Adriane Teresinha Sartori; Mariotides Gomes Bezerra;
Daniervelin Renata Marques Pereira; Adriane Teresinha Sartori; Mariotides Gomes Bezerra; Anna Karolline Alves Marques
Mediación lectora con e-reader en hospitales: un estudio en pediatría del Hospital das Clínicas/UFMG
Reading mediation with digital readers in hospitals: a study in the paediatric ward of the Hospital das Clínicas/UFMG
Mediación lectora con e-reader en hospitales: un estudio en pediatría del Hospital das Clínicas/UFMG
Tavira. Revista electrónica de formación de profesorado en comunicación lingüística y literaria, núm. 28, pp. 1-23, 2023
Universidad de Cádiz
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Resumen: Este trabajo presenta resultados parciales de una investigación que investiga sobre el impacto del uso de lectores electrónicos en las prácticas de lectura literaria realizadas por niños y adolescentes ingresados en el Departamento de Pediatría del Hospital de Clínicas de la Universidad Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), en Brasil. Se trata de una investigación cualitativa, cuyos datos fueron generados a través de entrevistas semiestructuradas realizadas durante el primer contacto de tres participantes con dispositivos electrónicos. Luego de una revisión bibliográfica de las producciones científicas sobre la lectura en los hospitales, se presentan algunos extractos de las entrevistas con los participantes, que se analizan desde la perspectiva de la revisión teórica. Los resultados indican una evaluación positiva de los lectores electrónicos, debido a las características presentadas que facilitan la lectura y debido a la posibilidad de proporcionar bienestar y comodidad postural, especialmente cuando se compara con los requisitos de los textos impresos. La trama, sin embargo, sigue siendo el elemento desencadenante de la acción de leer y parece ser independiente de la elección del dispositivo electrónico como instrumento de acceso al libro.

Palabras clave: Estudiante Hospitalizado,Tecnología Educacional,Alfabetización tecnológica,Géneros literarios.

Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa que investiga o impacto da entrada de leitores digitais nas práticas de leituras literárias realizadas por crianças e adolescentes internados na pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, cujos dados foram gerados através de entrevistas semiestruturadas realizadas durante o primeiro contato de três participantes com os dispositivos eletrônicos. Após uma revisão bibliográfica de produções científicas sobre a leitura em hospitais, apresentam-se alguns trechos das entrevistas com os participantes que são analisados sob a perspectiva da revisão teórica. Os resultados indiciam uma avaliação positiva dos leitores digitais, devido aos recursos apresentados que facilitam a leitura e devido à possibilidade de proporcionar bem-estar e conforto postural, especialmente, quando comparados com as exigências de textos impressos. O enredo, no entanto, continua sendo o elemento desencadeador da ação de ler e parece ser independente da escolha do dispositivo eletrônico como instrumento de acesso ao livro.

Palavras-chave: Aluno Hospitalizado, Tecnologia educacional, Letramento tecnológico, Gêneros literários.

Abstract: This work presents partial results of research that investigates the impact of the use of e-readers on literary reading practices carried out by children and adolescents admitted to the Pediatrics Department of the Hospital de Clínicas of the Federal University of Minas Gerais (HC-UFMG), in Brazil. This is a qualitative research, whose data were generated through semi- structured interviews carried out during the first contact of three participants with electronic devices. After a bibliographical review of scientific productions on reading in hospitals, some excerpts from the interviews with the participants are presented, which are analyzed from the perspective of the theoretical review. The results indicate a positive evaluation of the e-readers, due to the features presented that facilitate reading and due to the possibility of providing well- being and postural comfort, especially when compared to the requirements of printed texts. The plot, however, continues to be the triggering element of the action of reading and seems to be independent of the choice of the electronic device as an instrument of access to the book. Keywords: Hospitalized Student; Educational technology; Technological literacy; Literary genres.

Keywords: Hospitalized Student, Educational technology, Technological literacy, Literary genres.

Carátula del artículo

Sala de exposiciones: experiencias, propuestas didácticas e investigaciones en contextos

Mediación lectora con e-reader en hospitales: un estudio en pediatría del Hospital das Clínicas/UFMG

Reading mediation with digital readers in hospitals: a study in the paediatric ward of the Hospital das Clínicas/UFMG

Mediación lectora con e-reader en hospitales: un estudio en pediatría del Hospital das Clínicas/UFMG

Daniervelin Renata Marques Pereira
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Adriane Teresinha Sartori
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Mariotides Gomes Bezerra
Pediatria do Hospital das Clínicas/ Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Anna Karolline Alves Marques
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Tavira. Revista electrónica de formación de profesorado en comunicación lingüística y literaria
Universidad de Cádiz, España
ISSN-e: 2792-9035
Periodicidade: Anual
núm. 28, 2023

Recepção: 21 Março 2023

Aprovação: 01 Maio 2023

Publicado: 03 Maio 2023


1. INTRODUÇÃO

Observamos atualmente a emergência de novas formas de leitura, muitas delas associadas à mudança de suporte para o digital, ainda que práticas de leitura tradicionais, com o uso de impresso, permaneçam fortes na cultura brasileira. Dados de pesquisa sobre a leitura no Brasil (Instituto Pró-Livro, 2020) mostram que, entre os leitores de livros, 48% já leu em formato digital e, entre os leitores de livro de literatura, 53% já leu nesse formato. A maioria (73%) leu no celular ou smartphone, enquanto apenas 5% usou um leitor digital. Apesar do crescimento de leitores no formato digital, os dados da pesquisa mostram que 67% deles preferem livros em papel e 17% preferem livros digitais.

Diante das inúmeras questões pertinentes relacionadas ao tema, interessamo- nos pelas práticas de leitura, considerando a relação entre as especificidades do leitor, o suporte de leitura e o contexto local. Lançamos nosso olhar sobre a leitura de crianças e adolescentes em situação de hospitalização, usando leitores digitais, para avaliar o potencial de sua adoção nesse ambiente de restrições e privação de liberdade, em tratamento de saúde.

Nossa pesquisa emerge de um projeto de Extensão, desenvolvido, desde 2019, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, cujo objetivo principal é a garantia do acesso a livros, à cultura, à educação a toda criança e adolescente internados. No Brasil, nem mesmo alguns estudantes de escolas públicas têm esse direito assegurado, quando consideramos que algumas instituições não possuem bibliotecas1. Diante desses dados, nosso grupo tem-se empenhado em assegurar a presença do livro no cotidiano de crianças e adolescentes internados na unidade pediátrica do Hospital de Clínicas, através de estudantes de graduação que contribuem para que os livros, após o processo de “empaginação”2, cheguem aos destinatários.

A pesquisa, então, surge com o objetivo mais imediato de reduzir o trabalhoso e oneroso processo de “empaginação” de livros. Assim, a entrada do leitor digital seria uma alternativa possível de acesso a livros. De forma mais ampla, busca atrair esse público para a leitura, considerando sua realidade no hospital, aproveitando recursos lúdicos e, por vezes, percebidos como “mágicos” pelos jovens leitores. Dessa maneira, buscamos conquistar leitores e criar uma proposta metodológica com os leitores digitais que garanta a leitura de e-books, auxiliando as crianças e os adolescentes em sua situação hospitalar de tratamento de saúde e formação leitora. Mais do que atender a esse público específico na pediatria do Hospital das Clínicas, a pesquisa almeja contribuir, a partir da nossa experiência, para a leitura digital em outros contextos hospitalares.

2. LEITURA POR E PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM HOSPITAIS

A leitura em hospitais não é uma novidade, já que a Resolução nº. 41, art. 9, do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Brasil, de outubro de 1995 (CONANDA, 1995), prevê que toda criança e adolescente hospitalizado tem o direito de “desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento de currículo escolar durante sua permanência hospitalar”.

Estudos publicados sobre leitura em hospitais ressaltam a importância de analisar o ambiente onde a atividade ocorre, pois a restrição ou privação de liberdade da criança ou do adolescente pode influenciar significativamente a experiência. Em outras palavras, é imprescindível que avaliemos as condições em que o livro será colocado nas mãos das crianças, se a leitura será mediada ou não, já que as questões de saúde/doença são fatores que influenciam a mediação, as escolhas e seus resultados.

Assim, ler para e com crianças e adolescentes em hospitais pressupõe conhecer o contexto pediátrico que, muitas vezes, envolve “[...] limitação de mobilidade e de acceso a atividades apreciadas, obrigaçã de seguir rotinas rígidas, restrição do convívo social, procedimentos médicos invasivos", situaçõnes que "podem se associar a sentimentos de ansiedade, depressão, perda do sentimento de autodeterminação, dentre outros" (Flores et al., 2017, p. 22). Não podemos desconsiderar esse contexto, sob o risco de não ter a adesão das crianças, dos adolescentes e de seus responsáveis, sendo necessário sintonizar os momentos de leitura com as rotinas de tratamento. Além disso, como defendem Martins et al. (2013, p. 119): "[...] é preciso estar sintonizado com os interesses e as disposições". Assim, torna-se necessário considerar a importâ da sensibilidade à idade, ao contexto, ao estado físico, aos interesses, entre outros aspectos, do público atendido, além de um trabalho de mediação e preparação adequado na introdução de novas obras literárias. Também não se pode menosprezar as preferências dos jovens, desvalorizando gêneros de seu conhecimento e que muitas vezes são excluídos do espaço escolar.

Normalmente, a introdução de obras literárias no hospital tem uma abordagem terapêutica e de recreação. Um exemplo é o Programa Biblioteca Viva em hospitais, do Instituto Fernandes Figueira, que foi criado com o intuito de formar mediadores de leitura e instalar espaços, com livros de literatura infantil e juvenil, em hospitais que atendem a crianças com patologias variadas. As atividades buscam “[...] aumentar a aceitabilidade da criança ao tratamento e à situação de internação hospitalar, além de agregar situações estimuladoras ao processo de cura.” (Carvalho, 2018, p. 144). Nesse contexto, busca-se, “através da leitura, a humanização; o lúdico amenizaria o sofrimento dessas crianças, além de socializá-las no ambiente hospitalar.” (Carvalho, 2018, p. 148). Flores et al. (2017, p. 34), em revisão bibliográfica, também pesquisam a concepção que se tem do papel da leitura no hospital. Em suas pesquisas, destacam a presença do livro como “[...] ‘terapêutico’, por Moreno et al. (2003), como um processo “catártico” (Ceribelli et al., 2009), ou como instrumento para a redução dos níveis de estresse (Caldin, 2002)”. O caráter de auxílio no tratamento de saúde, então, é o foco das prácticas de leitura hospitalar, segundo esses autores.

Nossa abordagem ampara-se nessas concepções, sem deixar de insistir na garantia do direito de ler de todo cidadão, também dos pequenos. Dessa forma, além de buscar colaborar para o tratamento do paciente, a proposta pretende contribuir, de forma mais ampla, para a formação de leitores, a ampliação de suas práticas de letramento literário (Cosson, 2006). Desejamos que tenham a oportunidade de ler, conforme suas próprias necessidades e desejos.

Nessa perspectiva, buscamos a não escolarização da literatura, visto que as práticas escolares, muitas vezes, afastam o texto literário dos meninos e meninas. Lajolo (1986) ao decretar a crise do ensino de literatura na escola, lança a tese de que o texto literário não deveria ser pretexto para aprender lições de comportamento cívico, para exemplificar figuras de linguagem, para aumentar vocabulário, para aprender normas gramaticais, para motivar redações ou ensinar a historiografia literária. Esses “pretextos”, muito presentes nas práticas escolares atuais, não contribuem para a formação de leitores, por isso sua não escolarização no ambiente hospitalar é fundamental.

Em síntese, interessa-nos observar e criar estratégias que aproximem as crianças e os adolescentes do texto literário, levando em consideração, em última instância, o caráter humanizador da literatura (Cândido, 1988), visando contribuir para a formação humana.

Resultados que apontam o sucesso de experiências leitoras realizadas em ambiente hospitalar merecem destaque. Em trabalho anterior, Sartori; Pereira; Bezerra (2020) analisam uma experiência de leitura com mediação do livro “A Culpa é das Estrelas”, mostrando a experiência de um grupo de sete alunos de uma unidade pediátrica hospitalar antes, durante e depois da leitura, sequência baseada na proposta por Cosson (2006) para o trabalho com a literatura na escola. As autoras apontam que “a literatura pode promover aos leitores-pacientes momentos prazerosos nesse encontro com a obra literária” (Sartori; Pereira; Bezerra, 2020, p. 185).

Reafirmando esses mesmos valores, Flores et al. (2017) empreendem um estudo com voluntários de mediação de leitura em um hospital de Brasília para conhecerem características e desafios específicos desse tipo de mediação. Buscam entender “se os contadores concebiam seu trabalho, além do aspecto de humanização da saúde, também como uma contribuição para o fomento à leitura e para a formação de novos leitores” (p. 23). Na formação dos voluntários do projeto, são instruídos a interagir com as crianças usando livros de literatura infantil e infanto-juvenil. Um aspecto interessante desse trabalho é que a escolha dos livros, segundo os mediadores, leva em conta critérios de tema, gênero ou idade, deixando de fora a qualidade literária da obra, como criticam os autores do artigo. Além disso, ainda segundo Flores et al. (2017), poucos citam os efeitos da leitura para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, por desassociarem o hospital de um local onde ocorra a formação de leitores. Os mediadores “[...] expressam como principal ganho da mediação de leitura a distração da criança do contexto aversivo do hospital: distrair, trazer alegria, tirar do imediato” (p. 33). Conforme Flores et al. (2017, p. 36), “[...] fica de fora dessa concepção o valor positivo do contato com a literatura, do que ela pode construir, e não apenas subtrair”.

Nesse contexto de discussões sobre os processos e procedimentos de leitura para e por crianças e adolescentes em contexto hospitalar, pretendemos contribuir com nosso estudo para melhor compreender como se pode garantir o acesso ao texto literário e aperfeiçoar o processo de formação de leitores no hospital, fazendo uso das tecnologias digitais, especificamente dos leitores digitais. Precisamos, então, entender melhor sobre eles.

3. LEITURA EM LEITOR DIGITAL (E-READERS)

As telas invadiram o cotidiano dos leitores e, como afirma Ribeiro (2013), não podem mais ficar de fora das pesquisas sobre leitura. São muitas as investigações que abordam as tecnologias digitais em sala de aula, explorando desde o suporte até o próprio texto. Mas faltam ainda pesquisas que lancem olhar sobre o uso de tecnologias no ambiente hospitalar do ponto de vista da leitura. Podemos dizer que o hospital também é um "ambiente alfabetizador"; que, conforme Teberosky e Colomer (2003), são espaços-tempo escolares ou não escolares em que comunidadades têm contato com a cultura escrita, seja ela em objetos impressos ou digitais. Considerando que crianças e adolescentes internados em hospitais continuam desenvolvendo letramentos, perguntamo-nos: como os leitores digitais (e-readers) são apropriados por eles no processo de leitura e como favorecem práticas de letramento digital?

E-reader, leitor digital ou leitor de livro eletrônico são termos usados para designar um dispositivo eletrônico específico para leitura de livros digitais (e-books). Além dos livros, outros documentos podem ser compartilhados para leitura, como jornais, revistas e arquivos, que podem ser salvos no dispositivo.

Segundo Silva (2014), para aproximar os usuários de livros comuns dos livros digitais, estes simulam a superfície de um papel no dispositivo de leitura, o que se chama “tinta eletrônica”. “Essa aproximação acontece, principalmente, devido aos dispositivos não emitirem luz, eles apenas refletem a luz do ambiente onde a pessoa está (análogo ao papel impresso).” (Silva, 2014, p. 5). Assim, diferentemente da leitura em tablets ou em um aplicativo de leitura em celular, que tem uma luz mais forte e menos apropriada para a visão, os leitores digitais são mais confortáveis para leitura em diferentes situações, mesmo no escuro. Isso foi observado em pesquisa de Moraes (2012 apud Mendes; Farago, 2016, p. 207), em que os leitores pesquisados observaram “cansaço visual, devido à luz projetada na tela do computador, que pode ocasionar também dores de cabeça e indisposição para ler”. Ao mesmo tempo em que o leitor digital aparece como uma novidade tecnológica, observamos que ele procura simular a experiência de se ler um livro ou um jornal de papel. Conforme Dadico (2017, p. 730), o texto cria “uma ilusão de materialidade, sensorialmente provocada, uma vez que os pixels reunidos de forma organizada e próxima ao sujeito parecem dispor-lhe um objeto e não uma imagem, apenas”.

Outras vantagens do leitor digital são a leveza do equipamento e a quantidade de obras que pode comportar, permitindo o acúmulo de exemplares à disposição, de forma imediata, em um único suporte, além do conforto de poder ser transportadas no dispositivo para qualquer local e sempre estar às mãos. Para nosso projeto – “Leitura literária digital para crianças e adolescentes em hospitais” –, importa ainda a facilidade de higienização do equipamento, facilitando os procedimentos de biossegurança necessários no ambiente hospitalar, além de ser um suporte leve e compacto que pode facilitar o manuseio por pacientes com limitação de movimentos. Entre funções disponíveis nos leitores digitais estão as de controlar e ajustar nuances de brilho, cor e tamanho da fonte; fazer anotações; marcar páginas; grifar trechos; fazer busca por palavras no documento; consultar palavras no dicionário sem sair da página; salvar partes para ler depois e compartilhar textos, por exemplo. Ainda na pesquisa de Morais (2012 apud Mendes; Farago, 2016, p. 207), os pesquisados, que liam textos digitais em computadores, afirmam que “é uma leitura que não dá para fazer em qualquer lugar, pois nem sempre é possível ter um computador disponível ou ter acesso à internet; a leitura na tela torna mais difícil fazer grifos e anotações no texto". Graças às funcionalidades do leitor digital, essas dificuldades ficam reduzidas.

Ao contrário dos livros impressos, é preciso considerar a limitação da bateria no dispositivo digital, embora os modelos existentes tenham boa durabilidade. Ainda há que se considerar que o dispositivo eletrônico tem um valor comercial inacessível para muitos leitores, além de o valor de muitos e-books ser ainda alto.

Entretanto, nem sempre a inserção dos leitores digitais e sua aceitação é consensual. Lemos (2012, p. 118) explica que “o suporte material cria hábitos corporais e práticas específicas de uso, a sua incorporação aos costumes é mais lenta e enfrenta mais resistências”. Isso explica o estranhamento do leitor digital em algumas de nossas experiências no hospital. “É como um tablet?”, perguntou um adolescente participante da pesquisa.

Para Zayas (2010, p. 2, tradução nossa3), “os meios de comunicação e os textos disponíveis na Rede têm características que o diferenciam dos meios tradicionais”. A tela não significa somente a troca de suporte, mas uma modificação profunda no modo de organização dos conteúdos. No texto digital do leitor digital, é preciso observar como os recursos multimodais se apresentam, como tamanho da fonte, layout, organização das imagens, contrastes de cores, presença de informações numéricas (que ajudam a acompanhar o progresso da leitura, ver o horário), conforme Figura 1.



Figura 1

Imagem de uma página do conto Tiana, do livro “Contos de coragem e gentileza”, no leitor digital.

Fonte: das autoras.

Também há a presença de recursos hipertextuais, internos e externos, como, as opções de se mover entre as partes do texto pelas opções de configuração e os links para fora do livro, com possibilidade de compartilhar informações sobre a obra – permitindo interação entre leitores – e ter mais detalhes sobre ela, outras do mesmo autor, até para adquirir um exemplar físico e seguir o autor nas redes sociais, como mostram as Figuras 2 e 3.



Figura 2

Página com informações iniciais sobre a obra "Boa noite, Zoológico", no leitor digital.

Fonte: das autoras.



Figura 3

Página com informações finais sobre a obra "Boa noite, Zoológico", no leitor digital.

Fonte: das autoras.

A consulta facilitada de palavras ou expressões na própria página da obra é uma função valorizada pelos leitores (como se verá na análise adiante). Após a seleção do trecho, o dispositivo abre caixas de consulta, buscando em dicionários, Wikipédia e fornecendo opção de tradução para diferentes idiomas, como vemos nas Figuras 4 e 5.



Figura 4

Consulta de palavra do livro "Contos de coragem e gentileza", no dicionário do leitor digital.

Fonte: das autoras



Figura 5

Consulta de palavra do livro "Contos de coragem e gentileza", na Wikipédia do leitor digital.

Fonte: das autoras.

Podemos afirmar, assim, que enquanto algumas possibilidades são mantidas, em relação à leitura em suporte impresso, outras são acrescidas afirmando valores de praticidade, interatividade e diversidade. Ainda assim, como se pode ver nas figuras dispostas, ocorre uma perda de variedade cromática nas telas, o que pode ser prejudicial em obras com ilustrações em que as cores têm importante significado.

Pagnan e Provate (2016, p. 138) problematizam que: “Talvez possamos apenas imaginar que novos suportes poderiam instigar os jovens estudantes a lerem mais”, embora, como eles destacam, ter o suporte em mãos não é, por si só, condição para o desenvolvimento do gosto pela leitura.

Assim, faz-se importante entender melhor de que forma o suporte dos leitores digitais é recebido no hospital e impacta a leitura das crianças e dos adolescentes internados.

4. MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 Contexto do presente estudo

Nossa pesquisa, de natureza qualitativa, realizada na Unidade Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG), contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) para compra de oito leitores digitais, livros digitais e bolsa para dois anos de pesquisa.

Nossa pesquisa analisou discursos de crianças e adolescentes a respeito de sua leitura em leitores digitais, discursos gerados em entrevistas semiestruturadas, realizadas por uma das autoras deste artigo, bolsista do grupo de pesquisa. Essas entrevistas foram gravadas em áudio e analisadas posteriormente sob o ponto de vista do seu conteúdo. Devido à rotina da Pediatria do HC-UFMG, os encontros com os participantes, que ocorriam, majoritariamente nos leitos, se deram ao longo das tardes, período em que recebem projetos desenvolvidos no local.

4.2 Participantes

Inicialmente, foram selecionadas oito crianças/adolescentes para distribuição diária dos leitores digitais e recolhimento ao final do dia. Procuramos selecionar crianças cujo diagnóstico previa um período maior de internação hospitalar, para que o impacto da entrada dos leitores digitais pudesse ser acompanhado.

Com a dificuldade de acompanhar vários participantes, restringimos o estudo a três por semana, de modo a dar mais atenção e identificar mais detalhes sobre a interação do leitor com o dispositivo. Nesse caso, os leitores digitais não foram recolhidos no final de cada tarde, mas no final da semana.

Durante uma semana selecionada para estudo, acompanhamos três adolescentes, duas meninas e um menino: (M.) (12 anos), (C.) (12 anos) e (K.) (13 anos).

M. e C. se identificam como leitoras (M. estava lendo “Diário de um banana” impresso), mas K. afirma não gostar de ler. Infelizmente, K. só participou no início da semana e precisou interromper a leitura devido a procedimentos médicos. Optamos por mantê- lo nas análises para registrarmos um contexto bem peculiar do ambiente hospitalar, que envolve, muitas vezes, certa instabilidade em relação à presença e participação dos internados.

4.3 Procedimentos

O projeto teve início em março de 2022, momento em que começamos o estudo teórico em obras sobre o letramento literário, como Cosson (2006, 2018). Ainda em março, trabalhamos no desenvolvimento de perguntas iniciais para conhecermos os participantes da pesquisa e discutirmos como seria a abordagem.

Com aprovação do Comitê de Ética do HC-UFMG para pesquisas com seres humanos, em agosto de 2022, iniciamos as visitas à pediatria, tarefa realizada pela bolsista, acompanhada pela professora hospitalar, também autora deste trabalho. As primeiras mediações foram precedidas de um convite a alguns adolescentes e crianças e seus responsáveis, por meio da assinatura em termos de consentimento e assentimento, conforme determinam os preceitos da ética em pesquisa científica.

Foi realizada a entrevista inicial para conhecermos a/o criança/adolescente. As perguntas tentavam investigar se os entrevistados liam textos literários, qual era o gênero de livro preferido (romance, ficção etc.), se conheciam ou não leitores digitais e já os tinham usado, entre outras questões que foram surgindo ao longo da conversa, já que a equipe teve a preocupação de não fazer uma abordagem formal, mas sensível à situação de cada paciente convidado. Tentou-se, em todas as etapas, criar um ambiente descontraído e leve, para que não só a presença do pesquisador fosse aceita e desejada, como também houvesse um interesse pela situação de leitura apresentada.

Ao longo da pesquisa na pediatria do hospital, foi importante considerar as orientações da equipe de enfermagem para biossegurança, como aguardar 15 minutos entre as visitas na mudança de andar – a unidade pediátrica tem lugar no sexto e décimo andares do prédio –, usar álcool gel antes de entrar em cada enfermaria, usar jaleco, retirar acessórios, como anel, brinco, relógio etc. Os leitores digitais contavam com capa protetora e por vezes uso de plástico filme para garantir a correta higienização. Evitamos trocar os dispositivos entre os pacientes-participantes, o que não gerou problemas, já que contamos com oito unidades. Além disso, outros cuidados de ordem pessoal foram tomados, como: respeitar o espaço-tempo da/do criança/adolescente e acessar o leito apenas quando estivesse disposto; não abordar sua doença, respeitar seu horário de sono ou alguma indisposição.

As obras foram indicadas pela bolsista, a partir da entrevista inicial e da conversa nos leitos, para entender se o livro seria interessante para o leitor ou se outra obra seria mais adequada.

Fomos percebendo, nesse primeiro mês de pesquisa, que visitas pontuais na semana não estavam gerando bons resultados, já que muitos pacientes alternavam a permanência no hospital com o retorno a suas residências, o que dificultou o uso do leitor digital para leitura ao longo de um tempo, para finalizar leituras iniciadas. Assim, a partir de setembro, iniciamos visitas durante quatro dias úteis de uma semana por mês, de modo a garantir uma continuidade no acompanhamento a alguns pacientes presentes no local.

4.4 Registro e análise das entrevistas

O diálogo derivado das entrevistas realizadas durante os quatro encontros individuais entre bolsista e participantes da pesquisa foi registrado em áudio. A audição – e posterior transcrição – geraram categorias de análise a partir da relação entre nosso referencial teórico e o potencial do corpus da pesquisa, ou seja, o conteúdo dos áudios.

Para este artigo, analisamos os dados gerados de 21 a 25 de novembro de 2022, com três participantes.

A transcrição dos áudios se deu pela equipe de trabalho priorizando as informações relativas ao objeto de pesquisa. Os trechos selecionados para o artigo foram editados para tornar a análise mais fluida e os trechos reproduzidos mais fáceis de ler. Assim, introduzimos sinais de pontuação e eliminamos ocorrências como pausas, hesitações e autocorreções, já que nosso interesse maior é o conteúdo dos textos e não a forma como eles se apresentam.

A escuta das entrevistas em áudio possibilitou investigar como se articulavam, na experiência de cada leitor, elementos que influenciavam sua leitura, a saber: a) a si próprio como leitor; b) percepção do leitor digital; c) interesse pela obra literária; d) modos de ler, em seus aspectos técnicos (uso de funções do leitor digital e como esta atendia a necessidades específicas do sujeito), espaciais (como é a leitura no hospital). Tais elementos foram levantados a partir do conteúdo das gravações e também em relação a nossas questões de pesquisa.

Com a finalidade de preservar o anonimato dos participantes, estabeleceu-se que seriam trocados os nomes reais por letras aleatórias.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentação do leitor digital

A interação com o leitor digital nos leitos de crianças e adolescentes no HC-UFMG foi marcada por uma relação de novidade (nenhum dos participantes possuía, ou conhecia a tecnologia), ao mesmo tempo em que suas características são aproximadas de outras tecnologias familiares, como tablet e celular:

Mãe de M.: ah, só para leitura...

Bolsista: sim, não tem como acessar rede social, só para leitura. É como se fosse um livro, mas um livro digital.

Mãe de M.: Só livros..... Legal!

Bolsista explicando o funcionamento do leitor digital para a M.: você passa a página como se fosse um livro mesmo, passa o dedo pro lado…

Bolsista: para mudar a letra você faz como no celular, clica sobre a tela…

Os acompanhantes das crianças e adolescentes foram integrados à pesquisa em situações em que a entrada da nova tecnologia suscitou perguntas, questionamentos ou comentários durante a geração de dados. Este é o caso destacado acima, quando vemos não apenas a criança interessada em entender a utilização do leitor digital, mas também sua mãe, que desconhecia o aparelho. Provavelmente, a avaliação positiva da mãe (“Legal!”) pode influenciar a recepção do dispositivo pela filha.

No primeiro contato com o dispositivo, a bolsista ensinou aspectos técnicos às(aos) crianças/adolescentes, como, fazer marcação no texto, consulta ao dicionário, mudança na luminosidade (modo noturno) e busca de livros na biblioteca.

Ao comentar que gosta da função de marcar textos do leitor digital, a bolsista destaca que gosta de usar post-its nos livros, e M. diz que prefere caneta “marca-texto”. Neste momento, estabelecem uma relação entre práticas comuns em textos impressos e uma função que a tecnologia fornece aos usuários para suprir necessidades criadas pela cultura escrita.

Escolha de obras

A seleção das primeiras obras disponíveis no leitor digital levou em conta a percepção da bolsista sobre uma variedade de opções que pudesse interessar aos jovens, a partir das entrevistas iniciais de diagnóstico. Assim, os leitores puderam encontrar inicialmente: “Turma da Mônica jovem”, de Maurício de Sousa; “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry; “Meu pé de laranja lima”, de José Mauro de Vasconcelos; “Volta ao mundo em 80 dias”, de Júlio Verne; “Contos de coragem e gentileza”, de Elizabeth Rudnick; “Diário de um banana”, de Jeff Kinney; “Percy Jackson”, de Rick Riordan; “A noiva da caveira e outras histórias antigas”, de vários autores, “Boa Noite, Zoológico”, de Flávio Colombini, por exemplo. A partir das leituras, pretendeu-se alimentar o dispositivo com outras obras, conforme a demanda dos leitores.

Na escolha dos primeiros e-books para leitura, chama a atenção a busca por textos ligados a experiências anteriores: M., ao encontrar “O pequeno príncipe” na biblioteca do leitor digital, comenta: “Este eu tenho um monte em casa, mas não li ainda”. Afirma que quer começar por ele. C. comenta que quer ler o conto da princesa Tiana, que ela conhece por ter assistido ao filme “A princesa e o sapo”, escolhendo “Contos de coragem e gentileza” para iniciar a leitura. K. diz que não lê, mas durante a conversa com a bolsista demonstra conhecer várias histórias de mangás e pede que sejam inseridos no leitor digital para que leia. Comenta: “gosto mais de mangás do que de livros”.

Importante destacar que a bolsista é uma leitora assídua e conhece muitas obras em diferentes gêneros. Se a presença de outras pessoas leitoras auxilia no desenvolvimento do leitor (Mendes; Farago, 2016), é esperado que essa interação possa ter influência positiva para esse objetivo. Assim, quando K. menciona mangás, ela cita alguns que leu e animações/filmes que foram adaptações de mangás, estabelecendo uma identificação por conhecimentos comuns, despertando no adolescente o interesse pela leitura de novos mangás. Ao mencionar o filme “A princesa e o sapo”, também percebeu que ambas as adolescentes, M. e C., haviam assistido e, por isso, queriam ler o conto de uma das personagens, a princesa Tiana.

É importante destacar que não houve, por parte da equipe de pesquisa, restrições quanto aos textos disponibilizados. Outros aspectos (temática, autor, tamanho do texto, “valor” literário) não foram considerados nessa etapa da pesquisa.

Nenhum dos três participantes ousou escolher uma obra que lhe chamasse atenção pelo título, ou por alguma imagem. Talvez a novidade do aparelho tecnológico tenha exigido a manutenção do já conhecido sob o ponto de vista de “o que” ler, ao menos em um primeiro momento.

Leitura

A leitura foi feita pelos três participantes de forma individual, pois não mostraram interesse em ler juntamente com a bolsista. Esta retornou aos leitos incentivando os leitores e colhendo informações sobre suas práticas.

O segundo dia de acompanhamento dos leitores trouxe bons resultados dos participantes. M., que estava lendo quando a bolsista chegou ao leito, desistiu de começar pelo livro “O Pequeno Príncipe”, como havia dito no primeiro dia; escolheu “Boa noite, Zoológico”, que leu integralmente, e o conto “Tiana”, de “Contos de coragem e gentileza”. M. diz que usou as funcionalidades do dispositivo para leitura à noite, destacando o dicionário, que considerou muito útil. Encontrou, ao final da leitura de “Boa noite, Zoológico”, uma lista de livros do mesmo autor e pediu para a bolsista trazer duas obras da lista. A bolsista sugere ler “Diário de um banana” ou “Percy Jackson” até que as outras obras sejam adquiridas.

Coincidentemente, já que M. e C. não se conheciam, C. também leu o primeiro conto de “Contos de coragem e gentileza” e começou a leitura de “Diário de um Banana”. Afirma ter gostado do leitor digital e ter lido trechos do conto Tiana para seu avô. Sobre as funcionalidades do dispositivo, diz ter consultado várias palavras no dicionário, além de tê-lo considerado de fácil manuseio. Comenta que prefere o leitor digital ao livro físico, o que faz sua mãe participar da conversa e dizer que o dispositivo fez a “C. sair do telefone”.

K. recebeu um leitor digital com a coleção de “Tokyo Ghoul”, de Sui Ishida (mangá que a bolsista escolheu por saber que K. já assistiu e gostou de episódios de uma série de mesmo nome). K. se mostrou contente com o conteúdo e conseguiu facilmente manusear o leitor digital para chegar ao início da obra – como a leitura se dá de trás para frente no mangá, ele teve de acessar o final para começar a leitura.

Nos terceiro e quarto dias4 de leitura, uma entrevista com perguntas semelhantes foi realizada com as duas participantes da experiência: M. e C.. K. não pôde participar devido a uma cirurgia. Dispomos a seguir as perguntas e as respostas:

O leitor digital5 está te ajudando?

M.: Sim, porque não há nada para fazer no hospital à noite. Quando eu paro de ler, eu fico nervosa.

C.: Quando estou com tédio, eu pego o leitor digital e leio.

Nesses comentários, fica explícita a “finalidade” da leitura, qual seja, ter sido utilizada para romper a monotonia da rotina hospitalar. “Nervosismo” e “tédio” – itens lexicais utilizados pelas autoras – são os dois sentimentos “negativos” substituídos pela ação de ler, o que pode ser bastante positivo para as crianças em tratamento de saúde e confirma pesquisas anteriores citadas neste trabalho quanto aos benefícios para o bem-estar do paciente.

O que te surpreendeu na leitura com o leitor digital?

M.: Encontrar livros que eu nem achava que existiam. São histórias diferentes. […] Também gostei do dicionário e de poder ler deitada. Dá para marcar a página. Acrescentei notas no texto da Tiana em uma parte que gostei (faz resumo da parte: "É a parte em que ela abre a "Varanda do meu pai", o restaurante, para ajudar as pessoas, porque onde ela mora eles não deixam entrar se a pele da pessoa for preta, se a pessoa for negra, se tiver roupa rasgada. Aí ela inventou a "Varanda do meu pai" para dar comida de graça para pessoas sem condiçoes. Todas as pessoas são bem-vindas"). Li umas três vezes o trecho. Gostei bastante desta parte! (A nota escrita no trecho: "Perfeito. Amei").

C.: Quando você não sabe as palavras, tem como pesquisar.

As duas meninas destacam a presença do dicionário como fator determinante da leitura do texto de forma mais produtiva. Tal questão envolve uma série de elementos complexos. Por um lado, é fundamental que a criança crie estratégias, sem a utilização de dicionários, que lhe possibilitem inferir o sentido da palavra desconhecida no contexto em que aparece, para que alcance autonomia e não dependa de “alguém” que lhe diga o que significa determinada palavra; por outro, a facilidade de utilização do dicionário no leitor digital pode engajá-la ainda mais na leitura, ao não criar estranhamentos que a façam desistir do texto. Essa questão precisa ser melhor investigada pelo grupo de pesquisa, a partir da constatação de que os dicionários não são todos iguais (Krieger, 2012), o que nos provoca a analisar a adequação da obra às crianças e, nessa perspectiva, o trabalho, realizado por ela, de busca e de adequação dos sentidos ao contexto do texto lido.

De qualquer forma, é fundamental frisar que, para as duas meninas, procurar palavras desconhecidas no dicionário foi avaliada como uma ação bastante positiva e somente possibilitada pela entrada do leitor digital, já que se torna muito difícil a presença de dicionário nos leitos, a não ser que esteja totalmente “empaginado” e haja alguma enfermeira ou mediadora de leitura que o faça chegar à criança. Mesmo assim, provavelmente não seria no momento da necessidade da criança, o que torna sua presença muito improvável.

Que outras funções do leitor digital você gostou?

M.: Modo escuro, para ler à noite.

C.: Eu não uso. Só vou lendo, lendo, lendo…

No HC-UFMG, as luzes dos quartos da Pediatria são apagadas pelos funcionários às 22 horas, não restando opção alguma às crianças, adolescentes e seus acompanhantes, a não ser deitar-se e dormir. M. subverte a ordem imposta e se aventura a “ler à noite”, já que a função “modo escuro” lhe permite fazer isso. Um livro impresso (“empaginado”) exigiria luz no quarto.

Para C., a ficção se sobrepõe aos recursos do suporte de leitura. Mais importante do que os vários recursos do leitor digital é a história, o enredo. Este parece envolver de tal forma a criança que a ela só cabe ir “lendo, lendo, lendo”. O uso da forma verbal gerúndio cria um efeito de prolongamento da ação, efeito que confirma que a história é interessantíssima, não abrindo espaço para nenhuma outra atitude, reforçada pelo uso de “só” na fala da menina.

O enredo também é destacado por M. na resposta à questão da leitura (abaixo). Segundo a menina, a “rapidez” na leitura advém do gostar da história, resposta inferida da avaliação não tão positiva de um livro que a obrigava a parar em algumas páginas, quando ela acabava "lendo devagar".

Você acha que o leitor digital ajuda na sua leitura?

M.: Sim. Antes eu não gostava muito de ler. Eu estava lendo “Diário de um banana”, porque eu estava sem nada pra fazer. Estava parando nas partes, lendo devagar. Agora eu estou lendo bem mais e mais rápida.

C.: Sim. Vou estar praticando minha leitura, descobrindo coisas novas…

Se você tivesse que escolher entre o leitor digital e um livro impresso, qual você escolheria? Por exemplo, você tem o “Diário de um banana” no leitor digital e uma versão impressa. O que você prefere?

M.: O impresso, porque eu comecei a ler o impresso e o do leitor digital é diferente, são duas versões diferentes. Eu achei que fosse terminar de ler no leitor digital, mas quando fui ver era diferente.

Se eu trouxesse a mesma história no leitor digital para você continuar, qual preferiria?

M.: O leitor digital, porque é bem mais útil e com o impresso eu tenho que ficar sentada, minhas costas doem.

C.: Não vejo nenhuma diferença, mas se tivesse que escolher, escolheria o leitor digital.

Mais uma vez o enredo é o diferencial na avaliação de M e C.. Diante de duas histórias diferentes, escolhe a que mais lhe agrada, nesse caso, à que está impressa. Apenas diante da possibilidade de a melhor história estar no leitor digital é que escolheriam lê-la no novo dispositivo tecnológico, embora não percebam diferenças com o livro físico. Esta percepção converge para depreensões a partir de uma pesquisa realizada por Pagnan e Provate (2016), quando aplicaram questões de compreensão a alunos de uma escola em suporte digital e em suporte papel. Segundo eles “o suporte pode não ser o mais importante, ainda que possa haver certa preferência individual por um ou pelo outro” (PAGAN; PROVATE, 2016, p. 138).

M. reporta-se ao conforto físico de ler deitada como diferencial importante para a escolha de leitor digital e não livros impressos que exigem “ficar sentada” e provocam dores nas costas.

Mostrou o leitor digital para outras pessoas? O que eles acharam dele?

M.: Sim, mostrei para meus irmãos por videochamada. Acharam legal, tipo um tablet e porque tem várias funções que mostrei para eles. Eu li “Boa noite, Zoológico” para meu irmão de 6 anos. Ele achou bem legal por causa das fotos dos animais. Ele não entendeu muito, porque era tipo um poema, sabe? Eu já gostei muito por ser como um poema.

C.: Sim, meu avô, minha avó, minha tia… Li Para meu avó só.

Apresentar o leitor digital para pessoas de suas relações também foi destacado pelas meninas como algo positivo, afinal, reveste-se de um poder simbólico significativo possuir ou conhecer algo que o outro não possui ou não conhece. Tratando-se de alguém que está em restrição ou privaçaão ou privação de liberdade, ganha mais significado, especialmente porque o "objeto" conhecido pela criança é um dispositivo tecnológico contemporâneo, de valor cultural significativo para as gerações mais jovens.

Qual dos livros você gostou mais? Ele tem alguma coisa a ver com sua história?

M.: “Contos de coragem e gentileza”. Tem a ver comigo.

C.: “Diário de um banana”. Não tem a ver comigo, leio porque é divertido.

Vale recordar que M. não fez uma avaliação positiva do livro citado por C. como o seu preferido. O processo de formação de um leitor passa necessariamente pela observância das escolhas pessoais das crianças e adolescentes. O livro citado como o preferido estabelece um elo com C.: a diversão, um elemento significativo para quem ocupa um leito hospitalar.

Na sua escola tem leitor digital?

M.: Não.

C.: Não.

Nunca falaram sobre ele, sobre ler no celular, no computador?

M.: Não.

C.: Nenhum. O computador é só para jogar.

Como apontamos na introdução, muitas escolas públicas brasileiras não têm bibliotecas, e a falta de investimento público explica também a não existência de leitor digital. A desigualdade social brasileira se apresenta também no sistema escolar. Grosso modo, escolas particulares/privadas são dotadas de equipamentos e laboratórios os mais diversos, biblioteca, inclusive. Já a escola pública é precária e nem sempre têm laboratórios e bibliotecas.

A bolsista avalia a participação de M. e C. do terceiro para o quinto dia: “Eu acredito que o frenesi, aquela emoção, aquela coisa tipo leitor digital, leitor digital, leitor digital passou para a C. e continua para a M. Se continuar assim, vou trocar os livros da C. ou fazer mediação. Mesmo a M. tendo maior interesse na leitura, ela não leu muito do terceiro para o último dia porque ficou ansiosa por ter que fazer uma biópsia."

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisas relacionadas à utilização dos novos dispositivos tecnológicos são essenciais para que possam apontar caminhos relacionados às possíveis limitações dos próprios dispositivos e identificar aspectos significativos nas práticas de leitura. No caso do ambiente hospitalar, a entrada desses dispositivos pode significar garantir o direito à leitura ou não, se for considerado o dispendioso e demorado trabalho artesanal da “empaginação”. É certo que, sem estarem em conformidade com as exigências de biossegurança, os livros impressos não podem circular no hospital; o leitor digital, nesse sentido, torna-se um elemento facilitador importante, embora tenhamos um outro problema para ser enfrentado, o preço dos dispositivos. A média de internação na enfermaria é de sessenta crianças e adolescentes diariamente. O ideal, então, é termos sessenta leitores digitais para que todas as crianças e adolescentes tenham direito a ler. Uma questão que precisa ser enfrentada com seriedade.

A entrada dos leitores digitais em hospitais precisa basear-se em resultados de pesquisa científica, afinal, ler livros impressos não é o mesmo que ler em dispositivos digitais. O hospital é ambiente que exige uma série de procedimentos singulares, e as condições de saúde das crianças e adolescentes acabam por determinar a utilização dos leitores digitais por esse grupo.

Os dados descritos e analisados neste trabalho não permitem generalizações, visto que a investigação está em desenvolvimento e, até o momento, voltou-se para poucos sujeitos. De qualquer forma, alguns elementos podem ser enumerados como significativos.

Inicialmente, as crianças tendem a receber com satisfação o leitor digital, justamente por ser um dispositivo tecnológico contemporâneo. Dois diferenciais que destacam o leitor digital dos livros impressos foram o fato de as crianças e adolescentes poderem ler à noite e poderem realizar a leitura em posição horizontal. Ambos nos fazem perceber o leitor digital, pelas suas características constitutivas, como um auxiliar no tratamento de saúde em aspectos relacionados a conforto e bem-estar.

Ainda sobre sua constituição, o leitor digital permite a utilização de dicionários, a marcação de páginas, a redação de notas em um único aparelho, e esses elementos também foram destacados pelas crianças, embora, conforme tenhamos apontado em seção anterior, torna-se importante investigar com mais profundidade que estratégias têm sido utilizadas pelas crianças para acessar esses recursos e neles trabalhar. Indubitavelmente, conforme nos diz Chartier (1998, p. 88), “o novo suporte do texto permite usos, manuseios e intervenções do leitor infinitamente mais numerosos e mais livres do que qualquer uma das formas antigas do livro.”

As duas meninas investigadas destacam a presença do livro como quebra da monotonia hospitalar, ou seja, a leitura emerge como alternativa de ocupação do tempo. Aqui o elemento de referência é a leitura, não o dispositivo eletrônico. Livro impresso ou leitor digital dariam, provavelmente, o acesso ao texto, no entanto, o primeiro torna-se quase impossível diante das regras de funcionamento do hospital. A ação de “ler” tem-se revelado como significativa no hospital, e o enredo é o principal elemento que a promove. Assim, vale reafirmar a necessidade do acesso ao livro pelo simples prazer que pode provocar, sem cobranças, sem a preocupação de realização de tarefas posteriores (Lajolo, 1986,2005).

Em síntese, confirmamos, conforme Petit (2009), que a literatura faz com que o leitor em uma situação adversa possa ver o mundo de outra maneira, sobretudo em razão de sua capacidade de fornecer representações simbólicas, necessárias à existência humana.

O foco desta investigação está na recepção do leitor digital e seu funcionamento nas mãos de crianças e adolescentes; novas pesquisas, entretanto, podem se voltar mais diretamente aos textos multissemióticos presentes no dispositivo, seus recursos e possibilidades de utilização. Muito há a ser pesquisado, ainda, sobre a relação leitor- texto-leitor digital em ambientes hospitalares.

Material suplementar
Informação adicional

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:: Daniervelin Renata Marques Pereira (Conceitualização, aquisição de fundos, metodologia, redação - versão original), Adriane Teresinha Satori (Conceitualização, aquisição de fundos, metodologia, redação - versão original), Mariotides Gomes Bezerra (Recursos, supervisão, redação, revisão e edição) e Anna Karolline Alves Marques (Pesquisa, validação, redação - revisão e edição).

FINANCIAMENTO:: A pesquisa recebe apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), processo nº APQ-02258-21, de 2021 a 2023. Conta ainda com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital das Clínicas da UFMG.

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Notas
Notas
1. O documento Retratos da Leitura no Brasil (Instituto Pró-Livro, 2020) revela que 15% das escolas públicas do país não têm bibliotecas ou salas de leitura.
2. “Empaginação” consiste em afixar plástico adesivo transparente em todas as folhas e capas de cada obra, de modo a permitir que ela seja higienizada pela equipe de enfermagem após cada uso antes de passar a outras mãos, evitando assim a contaminação, seguindo preceitos de biossegurança em ambiente hospitalar.
3. Los medios de comunicación y los textos disponibles en la Red tienen unas características que los diferencian notablemente de los tradicionales”.
4. Durante a semana de 21 a 25 de novembro foram quatro dias de visita ao HC-UFMG, porque o ambiente do hospital é restrito a visitas de familiares na quinta-feira. Assim, o acompanhamento se deu na segunda, terça, quarta e sexta-feira.
5. Mantivemos na pergunta o termo usado pela bolsista e adolescentes, que preferiram usar a marca do produto para designá-lo.


Figura 1

Imagem de uma página do conto Tiana, do livro “Contos de coragem e gentileza”, no leitor digital.

Fonte: das autoras.


Figura 2

Página com informações iniciais sobre a obra "Boa noite, Zoológico", no leitor digital.

Fonte: das autoras.


Figura 3

Página com informações finais sobre a obra "Boa noite, Zoológico", no leitor digital.

Fonte: das autoras.


Figura 4

Consulta de palavra do livro "Contos de coragem e gentileza", no dicionário do leitor digital.

Fonte: das autoras


Figura 5

Consulta de palavra do livro "Contos de coragem e gentileza", na Wikipédia do leitor digital.

Fonte: das autoras.
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